Texto: Rubem Braga
Fotos: Marcos Cesário
                                                                             

"Ela e o mar entardeciam...
Contemplo-a ... Não, Deus não tem facilidade para desenhar. Ele faz e refaz sem cessar Suas figuras, porque o erro e a desídia dos homens entorpecem Sua mão: de geração em geração, que longa paciência Ele não teve para juntar a essa linha do queixo essa orelha breve, para firmar bem a polpa da pantorrilha.
Sim, foi a própria mão divina em um momento difícil e feliz. Depois Ele disse: anda... E ela começou a andar entre os humanos. Agora está aqui entardecendo; a brisa em seus cabelos pensa melancolias. As unhas são rubras; os cabelos também ela os pintou; é uma mulher de nosso tempo; mas neste momento, perto do mar, é menos uma pessoa que um sonho de onda, fantasia de luz entre nuvens, avideusa trêmula, evanescente e eterna.
Mas para que despetalar palavras tolas sobre sua cabeça? Na verdade não há o que dizer; apenas olhar, olhar como quem reza, e depois, antes que a noite desça de uma vez, partir."
                                                                                                                                                    
Duas mulheres em vestes floridas e esvoaçantes fitavam o horizonte do mar da Barra, em Salvador (Bahia - Brasil). Era uma tarde bucólica de maio, partilhada entre amigos poetas. O vento marítimo trançava os cabelos das jovens enquanto o sol iluminava suas presenças.
Assim, diante de tal aparição, como não lembrar de Rubem Braga e do seu olhar arguto e sensível em “Ao crepúsculo, a mulher...”, crônica escrita num dia de abril do ano de 1956, enquanto contemplava o entardecer, do mar em uma mulher.
Como não nos envolver por esse encanto que o destino assentiu em reescrever sob e sobre o fraseado “Ela e o mar entardeciam”, do mestre Braga.
Pedindo licença ao poeta da crônica, eis, pois, a nossa verve. Elas Entardeciam nos conduz, em palavras e imagens, até o horizonte de seu sentimento.

Emiliana Carvalho
Sob nossos pés molhados, a gravidade das pedras segurava a leveza dos nossos passos, e, quando parávamos para tocar o sorriso uma da outra com os olhos, o vento e o mar nos movimentavam.

Nos guiávamos pelo silêncio de nossa cumplicidade, pelas palavras de uma, guardadas na confiança da outra. Palavras que agora se calam tão alto.
Eu havia atravessado a noite para encher os meus olhos de mar e contemplar a nossa amizade.

Eu contava com a segurança da sua mão para me salvar de uma pedra lisa. Pouco a pouco, acostumavam-se nos meus pés as suas sandálias.

Sim, entardecíamos com o mar, salgando a barra dos nossos vestidos.

Entardecíamos.

Iris de Guimarães
Elas entardeciam...